sábado, 13 de junho de 2009

Jurisprudência;

Ele estava totalmente nervoso, sentia medo e relutava antes de pronunciar qualquer palavra. E se ela não acreditasse? E se ela não quisesse nada com ele? Mas como? Como? Deveria tentar, deveria ao menos falar. Fitou os olhos da mulher tentando não hesitar e lhe falou meio sem jeito, como quem tenta invocar nexo em palavras jogadas:
- Eu te chamei aqui porque eu preciso contar uma coisa...
- Então conte porra! Conte logo que eu tenho cinco clientes ricos esperando na recepção e eles me parecem putos da vida.
Suspirou forte – estava com medo? Estava com medo de uma mulher? Mas como? Ele nunca se rebaixou por uma mulher, nunca sentiu medo de uma e agora estava ali, em frente a única mulher pela qual ele nunca sentiu medo ou vergonha, a mulher que o conhecia tão bem, quase tremendo:
- Ó Helena...Eu estou completamente apaixonado por você.
Helena o observou sem palavras. Estava pálida pela surpresa: Renato apaixonado e ainda por cima por ela?! Tirou sua atenção dele e olhou para a janela do escritório. Aquela situação era totalmente improvável, irreal, absurda. Observou os grã finos passarem com seus carros de luxos pela rua, viu a dondocas com seus saltos entrarem em lojas caríssimas e os motoristas esperarem pacientemente durante horas. Ela nunca iria pertencer a aquele mundo, jamais conseguiria pertencer, mas ela fazia parte de tudo aquilo. Quando um mauricinho cheirava um pó e era pego ela e seu sócio precisavam limpar a barra do filhinho de papai – era esse seu trabalho: limpar a sujeira da classe rica. Que ironia do destino logo ela que odiava os riquinhos trabalhava para ajudá-los. Passou cinco anos de seu curso convivendo com aquela classe a sua única salvação era aquele homem, aquele homem que abria a boca para pronunciar palavras incoerentes. Sorriu levemente. Lembrou dos anos que passaram juntos – quanta coisa! Eles foram não só amigos, mas companheiros, amantes – sempre se pegavam quando estavam afim, conselheiros, ombro amigo, confidentes. Lembrou de cada detalhe: os porres, as tranzas, as brincadeiras, os finais de semanas, os clientes idiotas, as mentiras mais bem contadas. Ainda sorrindo olhou para Renato:
- E você espera que eu acredite em toda essa merda?
Renato a fitou sério:
- Sim.
- Renato, quem você quer enganar? Acho que de tanto mentir para esses filhos da puta ricos você acabou confundindo a realidade com a mentira. Vamos ser sinceros... Você é apaixonado pelo mundo; você não é capaz de se apaixonar por uma só pessoa porque você precisa do mundo todo para conseguir se sentir saciado. Você não está apaixonado por mim e nem tão pouco pela sua namorada e, por falar nisso, nem sei o que porra você está fazendo ao lado dela.
Ela riu enquanto cruzava as pernas e dizia com um ar de ironia:
-Pare de fumar maconha e acorde para a realidade: você não é de uma pessoa só, você é de todo mundo.
Ele olhou para ela incrédulo, sem palavras. Desviou o olhar e pensou: talvez de tanto mentir estivesse realmente se confundindo? Mas se isso fosse verdade ele não poderia se culpar porque ele era pago para isso, para mentir. E era o melhor nisso. Helena nunca foi muito boa mentindo, mas sem aquela mulher ele nunca conseguiria chegar onde estava: ele era a mentira e ela a verdade, ele era o filho da puta cara-de-pau e ela a certinha inteligente, pelo menos era assim nas aparencias, pois ele sabia, apenas ele sabia, o quanto ela era safada, o quanto ela era capaz. Na faculdade era assim mesmo: ele convencendo e mentindo e ela estudando e tirando notas boas. Eram uma dupla muito boa e por isso nunca conseguiu se imaginar longe dela. Sem ela nada ali andava, mas sem ele nenhum cliente ficava. Ele sempre foi assim, sempre foi de mentir, convencer as pessoas de que ele estava certo. Sempre foi assim e sempre vai ser, principalmente com as mulheres. A fitou e então entendeu: ela estava totalmente certa. Poderia amá-la e estar apaixonado por ela, mas ele amava o mundo, estava estupidamente apaixonado pelo mundo. Envolvia todo o mundo em mentiras para conseguir tirar dele o que quisesse e ele queria tudo e todas. Ele não conseguiria ficar com Helena sem desejar outras mulheres, sem também tranzar com outras. Riu junto com ela e passou o dedo polegar pelos lábios:
- É... Você está certa. De que horas vai sair dessa porra?
Ela riu:
- Não sei, acho que vou deixar esses ótarios esperando. O que acha?
O homem deu um sorriso pervertido:
- Vamos sair dessa bosta. Aproveitar e passar na casa da Mariana.
- Sua namorada?
- Agora é ex.