sábado, 23 de julho de 2011

Creio;

Um dia, enquanto descansávamos na grama primaveril, perguntei como deveria ser a morte. Você riu da minha capacidade absoluta de desvirtuar uma conversa animada para um caminho tão mórbido – “isso é tão você” – disse entre risos e uma cara séria fingida. E por uns instantes, após um silêncio anunciando seu processo de pensamento, fitou-me: “acho que nos esquecemos de tudo”; “tudo¿” – perguntei; “tudo” – afirmou, desta vez sério. Acho que nos perdemos em contemplações enquanto o mundo parecia correr mais rápido ao nosso redor – fora da nossa redoma de vidro. “Mas como posso esquecer você¿ Eu não conseguiria. Prometo não te esquecer”, apenas o vento me respondeu ao movimentar as folhas do outono – já era outono¿. Seu muro impenetrável – a Grande Muralha da China – rodou toda sua mente tornando cada acesso impossível, cada porta trancada. E as estações passaram sob os meus olhos ao passo que a trilha sonora muda de sua resposta me consumia. Os anos não mais podem ser contados a partir daquele momento – cinco ou talvez quinze anos – e preciso confessar: não mais me recordo de seu rosto – acredito que o inverno o cobriu com flocos invernais assim que me retirei daquele lugar, o nosso lugar. Lembro-me de você deitado ao meu lado cantando Rolling Stones – ou seria uma sonata¿ Há séculos não tramito por estas lembranças perdidas e agora tudo me soa tão remoto e dúbio. Mas como consegui esquecer¿ Como consegui esquecer a minha velha promessa de não te esquecer¿ Como¿

[foto by:oO-Rein-Oo]

terça-feira, 19 de julho de 2011

Neve;

Quando sinto que estou preste a ficar louca imagino-me em um lugar ermo e perdido, habitado apenas pela neve. Estou ali, encostada em uma rocha monocromática de negro rochoso e branco gelo, despida, porque, nesse lugar, tanto faz se estou em trajes de gala ou sem nada – não há ninguém para me julgar, então me soa mais prático imaginar-me nua. A névoa me consome ao mesmo tempo em que me serve de invólucro protetor, como uma segunda pele me protegendo dos agentes externos.
Com os olhos fechados, talvez para evitar receber alguma informação que não seja meu ostracismo, posso escutar sons de lobos uivando. Posso apenas escutá-los, não vê-los. Não, não posso vê-los porque eles não existem, entende? Ademais eles não podem existir. Se eles existirem teria, então, que forçar minha mente a criar outras mil coisas, como por exemplo, pequenos mamíferos, porque caso contrário os lobos morreriam de fome. E, no final do meu efeito dominó imaginário, acabaria tendo que criar Deus, mas Deus não se cria, é algo tão etéreo e assombrosamente grande que me seria impossível criá-lo nesse meu pequeno mundo gélido, por isso nem lobos nem outra coisa viva pode habitar meu pedaço de imaginação. Quando os lobos param de uivar o vento domina meus ouvidos, soprando intensamente contra mim, movendo as pequenas precipitações de cristais de gelo. Em um balé solitário, os flocos balanceiam pelo vazio brumado, e isso me dá a certeza de que estou viva. Minha intenção, talvez, com esse escapismo peculiar, não seja me dar segurança, mas apenas me convencer de que estou viva. O frio digladiando contra o calor do meu corpo me trás a sensação de que não apenas existo, mas sinto, vivo.
Às vezes chove gotas grossas e geladas, às vezes não – não sei se há um parâmetro concreto ou simplesmente sinto vontade de imaginar a água batendo em meu corpo como em um ritual de purificação. Provavelmente, penso eu, chove porque a água me agrada mais que a neve, entretanto a precipitação liquida não faz a menor diferença no rio alvo e desconcertante. Quando, no entanto, a solidão apavora-me, e quase sempre isso acontece, fecho os olhos com mais força e grito. Não que alguém vá escutar meu grito de socorro – reflito, agora, sobre o quão patético é gritar para o nada – mas é que simplesmente finjo que o grito não é meu, é de outra pessoa tão perdida quanto eu. Algo humano, vivo e pulsante fora de mim propaga uma sensação de amparo, como se segurando minha mão, principalmente se esse ser vivo estiver tão perdido quanto eu – estar acompanhado, até mesmo no desespero, é reconfortante.
A minha terra de lugar-algum é como um espelho que se pode pintar o que quiser. E na minha insanidade pinto o nada, porque isso é tudo o que tenho a oferecer, um grande nada branco. É o nada branco, contudo, que me salva e me regenera.

[foto by: Ivan-Suta]